O discurso na vida
colaborou Flávia Machado
Durante todo o segundo semestre de 2012, nosso grupo de pesquisa continua centrado na discussão das obras do Círculo de Bakhtin dos anos 1920. Desde maio, voltamo-nos especificamente ao texto “A palavra na vida e a palavra na poesia”, publicado inicialmente em 1926 na revista Zvezda. O texto atribuído a Voloshinov leva-nos a uma maior compreensão do conceito de enunciado e de sua concretização.
No último encontro, realizado no dia 18/10, discutimos a terceira parte do texto, em que o autor discorre sobre o discurso na vida. Voloshinov afirma que o discurso verbal em si não é suficiente, tendo de estar ligado a uma situação extraverbal para garantir sua significação. Consequentemente, a pergunta que se coloca é: como o discurso verbal na vida se relaciona com a situação extraverbal que o engendra? Qual a relação do verbal com o extraverbal? Como o dito se relaciona com o não-dito?
O vazio semântico da palavra proferida deve ser preenchido pelos elementos linguísticos e, sobretudo, pelo contexto imediato extraverbal. O contexto extraverbal, por sua vez, conta com três elementos essenciais que devem ser partilhados entre os interlocutores:
- o horizonte espacial;
- o conhecimento e a compreensão da situação;
- avaliação da situação.
O discurso analisa a situação extraverbal produzindo uma avaliação sobre o evento. Faz-se importante notar que o discurso não funciona como um espelho que reproduz fielmente a situação concreta, mas se constitui como a própria avaliação do evento da vida. O enunciado concretizado que une os falantes desse evento possui uma relação estreita com a situação extraverbal. O extraverbal não age de fora para dentro no enunciado, mas sim o reveste, o integra constitutivamente.
O autor delineia as duas partes fundamentais do enunciado: aquela compreendida em palavras e a parte presumida. Assim como um entimema, conceito importado da retórica aristotélica, o enunciado possui uma parte subentendida entre os interlocutores, onde reside a situação extraverbal. A ideia de que o enunciado passa a fazer sentido no momento em que os interlocutores partilham o conhecimento do que é presumido ressalta um contraponto importante entre o individual/subjetivo com o social/objetivo: segundo o autor, somente aquilo que todos amam, sentem, querem (...) pode construir a parte presumida do enunciado. Considerando o enunciado como um entimema social e objetivo, temos que quanto mais amplo for o horizonte social partilhado pelos indivíduos, mais constantes se tornam os fatores presumidos do enunciado.
As avaliações sociais contidas no enunciado derivam de aspectos subentendidos e que não são enunciados, como a vida econômica e política, bem como características que se referem ao sujeito. O julgamento de valor social, que pertence à vida, organiza a forma de concretização do enunciado, por meio da própria entoação, por exemplo. Ao mesmo tempo, o julgamento deve encontrar uma expressão apropriada no conteúdo do discurso.
A partir do item 4 da obra, Voloshinov ressalta alguns elementos relativos à concretização das avaliações sociais no enunciado, a saber: a entoação, o apoio coral, a metáfora entoacional e a metáfora gestual. Trata-se da proposta de discussão do nosso próximo encontro!
Referência
VOLOSHINOV, Valentin Le discours dans la vie et le discours dans la poésie. In: TODOROV, Tzvetan Mikhaïl Bakhtine: le principe dialogique suivi de écrits du cercle de bakhtine. Paris: Éditions du Seuil, 1981. p. 181-215.