colaborou Arlete Higashi
Ao buscarmos compreender a noção de auto-criador nos escritos bakhtinianos, especificamente em O autor e a personagem na atividade estética e O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária, observamos que o teórico russo almejava a construção de uma estética geral que permitisse observar a especificidade literária. Um dos conceitos basilares dessa estética é o de autor-criador. Segundo teórico russo, é preciso ter em mente a distinção entre autor-criador e autor-pessoa, pois enquanto o primeiro é um elemento da obra, o segundo é um elemento do acontecimento ético e social da vida.
Para Bakhtin, o autor-criador assume uma posição externa que permite dar forma e acabamento estético à personagem e ao mundo habitado por ela. A ideia de exterioridade é insistentemente retomada por Bakhtin nos textos mencionados acima:
[...] nesse excedente de visão e conhecimento do autor, sempre determinado e estável em relação a cada personagem, é que se encontram todos os elementos do acabamento do todo, quer das personagens, quer do acontecimento conjunto de suas vidas, isto é, do todo da obra. (BAKHTIN, 2003[1924-1927] p.11).
Esta exterioridade[1] (mas não o indiferentismo) permite que a atividade artística una, formule e conclua o acontecimento a partir do lado de fora (BAKHTIN, 2010 [1924], p. 36).
Segundo nos informa Faraco (2008), ele (autor-criador) “é entendido fundamentalmente como uma posição axiológica com o herói e seu mundo: ele olha com simpatia ou antipatia, distância ou proximidade, reverência ou crítica, gravidade ou deboche, aplauso ou sarcasmo, alegria ou amargura [...] (FARACO, 2008, p.38) e complementa, “o autor-criador é, assim, uma posição refratada e refratante. Refratada porque se trata de uma posição axiológica conforme recortada pelo viés valorativo do autor-pessoa; e refratante porque é a partir dela que se recorta e se reordena esteticamente os eventos da vida” (FARACO, 2008, p.39).
Até mesmo quando uma obra é autobiográfica, o autor deve “colocar-se à margem de si, vivenciar a si mesmo, olhar a si mesmo com os olhos do outro”, pois, com um só e único participante não pode haver acontecimento estético, a consciência absoluta, que não tem nada que lhe seja transgrediente, nada distanciado de si mesma e que a limite de fora, não pode ser transformada em consciência estética (BAKHTIN, 2003[1924-1927] p. 19-20).
No auto-informe confissão não há personagem nem autor por não haver uma posição para realizar a inter-relação dos dois, uma posição de distância axiológica, personagem e autor estão fundidos em um todo único (BAKHTIN, 2003[1924-1927] p. 135).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1920 -1924], p. 3-186.
_____. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In:______. Questões de estética e de literatura: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardine et al. São Paulo: UNESP, 1993 [1923-1924], p. 13-70.
FARACO, A. F. Autor e autoria. In: BRAIT, B.(ORG). Bakhtin conceitos chaves . São Paulo: Contexto, 2008.