Terceira reunião do subgrupo de pesquisa bakhtiniana da USP discute o conceito de “destinatário”

por  Inti Queiroz e Arlete Fernandes Higashi

O terceiro encontro do ano do subgrupo de pesquisa bakhtiniana da USP, grupo Teoria Bakhtiniana (GEDUSP/CNPq), foi realizado no dia 08 de maio de 2015 sob a coordenação da Profa. Dra. Sheila Vieira de Camargo Grillo, com a presença dos pesquisadores Arlete Fernandes Higashi, Inti Anny Queiroz, Luiz Rosalvo Costa e a pesquisadora convidada da Universidade de São Petersburgo, a Dra. Maria Glushkova que está desenvolvendo uma pesquisa de pós-doc no Brasil.

O foco da reunião foi a discussão do conceito teórico de destinatário, visando auxiliar a doutoranda Arlete Fernandes Higashi na escrita de um artigo sobre sua pesquisa. Utilizamos para a discussão os textos: A palavra na vida, a palavra na poesia de Valentin Volóchinov (1997 [1926]) e Os gêneros do discurso de Mikhail Bakhtin (2003 [1952 – 1953]).

Conduzida pela doutoranda Arlete, a discussão teve início com a observação de que, ao colocar em relevo a importância do outro em todo e qualquer tipo de comunicação discursiva, Bakhtin, Volóchinov e Medviédev apresentam em suas obras como correlatos à noção de destinatário os termos ouvinte, locutor, leitor, parceiro, contemplador, interlocutor e auditório social.

Dessa forma, a ideia que é retomada no texto de Volóchinov / Bakhtin (1997 [1926]) é a de que o direcionamento, o endereçamento do enunciado é sua peculiaridade constitutiva, sem a qual não há nem pode haver enunciado. Os diferentes modos de direcionamento e as diferentes concepções de destinatários são especificidades inerentes e determinantes na escolha dos gêneros do discurso.

Isso nos fez pensar na importância da noção de destinatário enquanto categoria analítica, pois, conforme exposto acima, o outro exerce uma influência decisiva na seleção do estilo, do conteúdo temático e da construção composicional, ou seja, no gênero do discurso.

Além disso, notamos que, para Bakhtin (2003), o enunciado se constrói levando em conta as atitudes responsivas do ouvinte/leitor, em prol das quais ele é criado. O falante ou escrevente não pressupõe ouvintes ou leitores passivos, mas participantes ativos da comunicação discursiva.

Ainda durante a discussão acerca da noção de destinatário, observamos, conforme Bakhtin afirmou, que “ao falar sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação, levo em conta suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista) as suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele”.

Essa ponderação nos remeteu ao texto de Volóchinov/Bakhtin, A palavra na vida e a palavra na arte, de 1926, no qual o foco incide na situação social que engendra o discurso verbal, seja ele inserido na vida ou na arte.

Assim, se, de um lado, a construção do enunciado é condicionada pelo destinatário, real ou presumido, de outro, o contexto mais imediato (e mais amplo) também influencia no projeto discursivo do falante/escrevente.

Para Volóchinov/Bakhtin esse contexto extraverbal do enunciado abrange três fatores: 1) o horizonte espacial comum dos interlocutores (a unidade do visível); 2) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores; e 3) sua avaliação comum dessa situação. Segundo os autores russos, uma obra poética é um poderoso condensador de avaliações sociais não expressadas e são essas avaliações que organizam a forma artística enquanto expressão imediata. Entendemos que, no enunciado escrito, essas avaliações, assim como o contemplador, também são pressupostas pelo escritor, visto que ele trabalha o tempo todo em união com a simpatia, com a concordância ou a discordância de seus leitores.

Essas primeiras reflexões indicaram possíveis direcionamentos para a análise proposta pela doutoranda Arlete, a qual pôde contar ainda com importantes apontamentos dos demais integrantes do grupo, Inti, Sheila, Luíz e Maria.

Como se pode observar, a discussão realizada acima foi bastante profícua, pois (ainda que as ponderações dos estudiosos sejam direcionadas aos enunciados artísticos) ao estender as reflexões do Círculo para o objeto de estudo da pesquisadora Arlete, entendemos que o projeto discursivo da exposição Alertas no Museu Catavento parece levar em conta um destinatário determinado e inserido num contexto extraverbal socialmente definido.

Na próxima reunião do grupo em 12 de junho de 2015, discutiremos as versões finais dos artigos das doutorandas Arlete e Inti.

Discussões anteriores do grupo sobre os textos citados:

O Discurso na vida – outubro 2012, disponível em: https://circulobakhtiniano.wordpress.com/2012/10/

Slovo v jizni i slovo v poesii (Questões de poética sociológica) – dezembro 2012, disponível em:

https://circulobakhtiniano.wordpress.com/2012/12/

Referências bibliográficas:

BAKHTIN, Mikhail. “Gêneros do discurso”. IN: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003[1952-53]. p. 261-308.

VOLOCHINOV, V.; BAKHTIN, M.; O discurso na vida e o discurso na arte. Sobre poética sociológica. Trad. do inglês: Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, para fins didáticos.

VOLOCHINOV, Valentin Le discours dans la vie et le discours dans la poésie. In: TODOROV, Tzvetan Mikhaïl Bakhtine: le principe dialogique suivi de écrits du cercle de bakhtine. Paris: Éditions du Seuil, 1981. p. 181-215.

VOLOCHINOV, V. (BAJTÍN, M. M.). La palabra en la vida y la palabra en la poesía. Hacia una poética sociológica. In: BAJTIN, M. Mijail. Hacia una filosofía del acto ético y otros escritos. Barcelona/San Juan: Anthropos/Universidad de Puerto Rico, 1997, p. 7-81.

VOLOCHINOV, V. N. Slovo v jizni i slovo v poesii. In: Bakhtin pod máskoi. Moskva: Labirint, 2000. p.72- 94.